Revista Acad Brasil. https://acadbrasil.com.br/wp-content/uploads/2024/10/edicao-107.pdf
Ana Claudia Ribeiro
O respeito aos sentimentos das crianças é integrado a qualquer processo educativo e no ensino da natação infantil, especialmente, deve ser cultivado através de experimentações prazerosas e cercadas de confiança. Winnicott (1979) afirma que a constância e a confiabilidade são essenciais para a estruturação emocional das crianças e que o ambiente precisa oferecer uma “atmosfera” favorável para os processos de desenvolvimento acontecerem.
Ao se validar os sentimentos e emoções do aluno enquanto sujeito, a natação desenvolve-se em um processo psicomotor social, em intercâmbio constante com inúmeros fatores, como o conteúdo a ser assimilado, o meio aquático, o domínio do próprio corpo e os professores. Nessa perspectiva interacionista do desenvolvimento infantil, Fonseca (2012) explica que os sistemas funcionais se desenvolvem em absoluta comunicação com a cultura e com os aspectos afetivos. “O corpo transforma-se em instrumento do pensamento e da comunicação” (FONSECA, 2012, p.165).
A água representa um novo e desafiador ambiente de aprendizagem para o aluno iniciante, no qual até “conhecidos referenciais terrestres tornam-se inoperantes. Os movimentos e deslocamentos aquáticos do aluno são amplamente modificados, já que existem diversas alterações em relação ao meio terrestre”. Destaca-se a modificação na posição corporal de vertical (ao caminhar) para horizontal (ao nadar), o impacto da força da flutuação no equilíbrio do nadador e a mudança no padrão respiratório, que até ser automatizado de modo que o praticante se sinta confortável, representa para muitas crianças uma experiência ameaçadora.
Por se tratar de atividade com excessivo componente psicológico, que envolve medo e ansiedade, o profissional com bom senso conseguirá um equilíbrio entre as aspirações individuais e as necessidades de socialização do seu público. (PALMER, 1990, p. 34).
Ribeiro e Telles (2023) em uma revisão sistemática composta por onze estudos, analisaram as aspectos emocionais associados ao período de adaptação ao meio aquático e identificaram relatos de sentimentos desagradáveis e medo nas imersões involuntárias e indesejadas. A pesquisa revelou a importância de uma educação aquática empática e contrária aos métodos iniciais de natação para crianças pequenas, que objetivam resultados a curto prazo causando traumas difíceis de serem superados. Madormo (2023) e Murcia (2023) averiguam com evidências científicas que sentimentos de medo podem levar à fobia da água.
Entretanto, essa ânsia para que a criança pequena adquira a autonomia aquática gera uma expectativa (familiar e algumas vezes docente) extremamente arriscada e incerta, já que as crianças não podem cuidar de sua própria segurança, sobretudo no ambiente aquático. Cabe lembrar que as crianças são fascinadas pela água e não possuem o completo amadurecimento psicomotor, cognitivo e emocional exigido para a autonomia aquática. Fica evidenciada, portanto, a relevância da educação aquática, em seu conceito amplo, para além das habilidades referentes ao ato de nadar, orientações e novas pesquisas sendo difundidas entre professores e famílias sobre as atitudes recomendadas nos ambientes aquáticos, onde a supervisão do adulto é imprescindível.
De acordo à literatura recente (Rocha, 2018; Ribeiro e Telles, 2023) práticas em piscinas rasas e fundas produzem efeitos distintos no ensino da natação, necessitando de acolhimento às necessidades emocionais infantis das quais vêm ser observados sob a ótica da criança. Nesse aspecto, profissionais são orientados a utilizar ambientes e estratégias de ensino diferenciadas e cuidadosas, pois também podem representar motivo de insegurança, interferindo negativamente na adaptação da criança ao meio aquático.
Em uma proposta também inclusiva, a adaptação ao meio aquático quando conectada com a demanda infantil, permite que as crianças com deficiências e dificuldades sejam aceitas em suas limitações e possam conquistar seus progressos pessoais. Assim, a educação aquática passa a ser, fundamentalmente, norteada pelos princípios educacionais, baseada nos estudos atuais sobre o desenvolvimento das crianças, não se restringindo apenas ao produto final, os aspectos biomecânicos dos quatro nados.
Dessa forma, em um enfoque global de aprendizagem, as experiências psicomotoras vivenciadas na piscina, a natação é capaz de ampliar o repertório motor da criança e a complexidade das habilidades motoras realizadas, as quais repercutem com ganhos significativos para a segurança aquática, confiança e consequentemente, para a educação infantil.
Referências:
BURKHARDT, Roberto; ESCOBAR, Micheli. Natação para portadores de deficiências Rio de Janeiro: Ao Livro técnico, 1985.
FONSECA, Vitor. Manual De Observação Psicomotora. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Wak editora, 2012.
MADORMO R.; MARDORMO S. Instituto de Natação infantil Disponível em: https://www.inati.com.br/post/movimento-trauma-free-respeito-a-crianca-no-ambiente-aquatico. Acesso em: (03/09/2023)
MORENO-MURCIA. Medo do meio aquático. In: R. Fonseca-Pinto, A. Albarracín y J. A. Moreno-Murcia (ed.). Actividades acuáticas. Evidencias, reflexiones y propuestas prácticas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, Sb Editorial, 2023. p. 107-116. ISBN 978-987-8918-69-3
PALMER, Mervyn. L. O Ensino da natação, São Paulo: Ed. Manole, 1990.
RIBEIRO, Ana; COSTA TELLES , Silvio de Cassio. Adaptación a la natación infantil en piscinas cubiertas y poco profundas: una revisión sistemática (Adaptation in children’s swimming in shallow and deep pools – a systematic review). Retos, [S. l.], v. 50, p. 780–789, 2023. DOI: 10.47197/retos.v50.98508. Disponível em: https://recyt.fecyt.es/index.php/retos/article/view/98508. Acesso em: 30 jun. 2025.
WINNICOTT. O mundo em pequenas doses em A criança e seu mundo. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.